quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Fruta favorita nas praias e academias do Brasil: O Açai (...)


Na maior ilha fluviomarinha do mundo, caminhos sinuosos levam à produção da fruta favorita nas praias e academias do Brasil

A hora da partida é anunciada com uma explosão de tons de laranja, roxo e vermelho no anil do céu, que vai de encontro às águas escuras da baía do Guajará. Estamos em Belém do Pará.

Dentro de um dos navios ali atracados, o colorido é o das redes esticadas pelos corredores. Suspensa nas extremidades, a peça de tecido será usada para embalar o sono dos navegantes.

Enquanto a noite não cai, o ritmo do carimbó ecoa dos alto-falantes do bar ao fundo do segundo piso da embarcação. Serão dez horas de travessia da capital paraense até Curralinho, um dos 16 municípios que compõem o conjunto de ilhas de Marajó, no Pará.

Superior em tamanho a países como a Suíça, é o maior arquipélago fluviomarinho (banhado ao mesmo tempo por rios e mar) do mundo. A principal ilha, também chamada de Marajó, é uma entre as mais de 3.000 que formam o arquipélago. Os 25 mil habitantes moram em meio a um emaranhado de rios, mangues e igarapés.


Palafita típica da região amazônica às margens do rio Pagão, nos arredores de Curralinho, na Ilha de Marajó

Vivem do extrativismo, da pesca, da criação de animais, da agricultura e da produção de palmito e açaí.

De Curralinho até as comunidades produtoras do fruto, onde vive o ribeirinho Miguel de Moraes, 50, segue-se mais uma hora e meia de barquinho, ziguezagueando pelas estradas de água da floresta. À beira-rio, sua casa de madeira é apinhada de açaizeiros.

Nascido e criado em Boa Esperança, uma das cem comunidades do município marajoara, Miguel é presidente da Associação de Produtores Rurais Águas Extrativistas do Rio Pagão, que reúne outras 43 famílias ribeirinhas.


CESTOS FEITOS DE TALA DE ARUMÃ, CHEIOS DE AÇAÍ, AGUARDAM PARA SEREM DESEMBARCADOS

Papinhas e radinhos
É antiga sua relação com os açaizais. Com seis meses de vida, já comia papinha de açaí. “Até o fim dos anos 1990, a fruta tinha pouco valor por aqui”, diz. “Trocava-se por farinha, arroz, feijão e até por radinho de pilha”, lembra Miguel, enquanto come, em uma tigela, a polpa junto com um naco de carne e uma porção misturada de arroz e macarrão.

No Pará, o açaí faz parte da dieta do dia a dia: come-se em todas as refeições, principalmente com peixe frito e farinha de tapioca. A textura é mais cremosa, e o seu sabor mais puro.

Ninguém mistura com xarope de guaraná, frutas e granola, cardápio popular nas academias de ginástica. Cheia de nutrientes como cálcio, ferro e potássio, a polpa virou sinônimo de comida saudável no início dos anos 2000, quando um grupo de americanos, de férias no Nordeste, conheceu o açaí vendido na tigela, na praia. Levaram a polpa para a Califórnia. De lá, migrou para o resto dos EUA e, depois, tomou o mundo.


GAROTO ESCALA PALMEIRA PARA COLETAR O FRUTO USANDO A “PECONHA”, ACESSÓRIO QUE EVITA QUE OS PÉS ESCORREGUEM

A demanda surtiu efeito no preço da “lata” -na verdade, um cesto, chamado de paneiro, feito de tala de uma outra palmeira, a urumã. Dez anos atrás, os produtores recebiam R$ 1 pela “lata” de 14 kg da fruta. Em 2014, o valor chegou a alcançar o recorde de R$ 40.

Estima-se que 300 mil pessoas dependam da fruta só no Pará, sendo ela a principal fonte de renda para cerca de 70% da população ribeirinha.


UM CATETO DESCANSA À SOMBRA, DEITADO SOBRE CACHOS DE AÇAÍ RECÉM-COLHIDO

Vaga-lumes depois da novela
A colheita acontece entre julho e novembro, época mais seca, quando o nível dos rios baixa e a terra em volta dos pés da fruta não está mais alagada. É tudo feito manualmente. Os cachos de açaí são colhidos pelos ribeirinhos, que sobem nas árvores de até 12 metros de altura. Seguindo a tradição dos antepassados indígenas, amarram os pés com a peconha, peça trançada com folhas da própria palmeira, ou, na versão mais recente, com uma saca de juta.Ainda criança, Miguel começou a subir nas palmeiras. “A gente tirava açaí só por prazer”, recorda-se ele.

Naquela época, os frutos eram amassados com as próprias mãos. Depois, eles passavam por uma peneira para a retirada da polpa. Hoje, além de TV de tela plana e refrigerador, os moradores das comunidades têm outro eletrodoméstico: a “vitaminosa”, máquina usada para bater o açaí com água, extraindo a polpa roxa de textura aveludada e separando o caroço, responsável por 90% do peso da fruta e usado como adubo. A polpa pesa menos de 10%.

O ribeirinho Miguel de Moraes, 50, produtor de açaí nascido na comunidade de Boa Esperança, na Ilha de Marajó

Entre janeiro e março os açaizais passam por uma fase de manejo. A pico da safra ocorre entre setembro e outubro, a depender do clima

Fora da área central de Curralinho, as comunidades não possuem energia elétrica. Às margens dos rios e igarapés, a força vem de geradores movidos a óleo diesel, desligados assim que termina a novela das nove. Em terra firme ou alagada, luz só de lanterna.
Ou de vaga-lume.!!

Créditos: POR ROBERTO DE OLIVEIRA,

DA ILHA DE MARAJÓ - PA
"Folha de S.Paulo"

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